Grupos querem prevenir abuso sexual tratando pedófilos
AMANDA LOURENÇO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
14/08/2012 - 05h00
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
14/08/2012 - 05h00
A cada ano há mais denúncias de abuso sexual contra crianças. De janeiro
a abril, passaram de 34 mil: um aumento de 71% em relação ao mesmo
período de 2011, segundo a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência.
Manhattan (Woody Allen, 1979)
No filme, Woody Allen é um escritor de meia-idade que namora uma garota
de 17 anos. Ela ainda frequenta a escola e confunde os nomes das
atrizes mais velhas de quem ele gosta. O relacionamento termina quando
ele resolve trocá-la por uma mulher mais velha
Nos meses de maio e junho o crescimento foi ainda maior, talvez puxado
pela aparição de Xuxa no "Fantástico", declarando ter sido abusada na
infância. Só nesse bimestre foram ouvidas 22 mil denúncias, alta de 30%
em relação ao início do ano.
A repressão à pedofilia no Brasil dá passos --como a ampliação, em maio,
do prazo de prescrição para esse crime abjeto no qual a criança é a
vítima do desejo de alguém mais forte que ela e, quase sempre, de
"confiança".
Mas há quem defenda um trabalho de prevenção por meio de tratamento, cuidados e apoio dispensados ao agressor em potencial.
Um pedófilo não é obrigatoriamente um criminoso. Pode sentir atração por
crianças e se manter afastado delas a vida inteira --ou por anos.
Segundo o psicólogo Antônio Serafim, do Hospital das Clínicas de SP, a
literatura aponta que 75% dos pedófilos nunca chegam a sair da fantasia
para o crime.
"É importante oferecer suporte aos que sofrem do transtorno". Ele diz
que os agressores são tipos imaturos e solitários. "A falta de
habilidade social acaba os levando a mergulhos cada vez mais profundos
na pedofilia."
A pedofilia é classificada como uma desordem mental e de personalidade e também como um desvio sexual.
"Se o tratamento, que envolve terapia e medicamentos, for iniciado no
tempo adequado, com técnicas adequadas e por profissionais preparados,
melhoras consideráveis e até a cura poderão ser alcançadas", afirma José
Raimundo Lippi, que é psiquiatra e presidente da Associação Brasileira
de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais.
Surgiram iniciativas de apoio a pedófilos latentes em vários países. No
Reino Unido e na Irlanda, o grupo Stop It Now! disponibiliza um número
de telefone para quem tem consciência de seu problema e precisa de ajuda
para continuar inofensivo.
DIFERENTES PERFIS
Marcelo Justo/Folhapress |
Na França há a L'Ange Bleu, fundada por Latifa Bennari, franco-argelina
de 61 anos que não tem formação em psicologia, mas tem vasta experiência
no assunto.
A associação é polêmica: em vez de dar assistência às vítimas,
concentra-se no apoio aos pedófilos. Mas antes de fundá-la Bennari
ajudou, durante 30 anos, pessoas traumatizadas por abuso sexual na
infância.
Segundo ela, era comum a vítima pedir um encontro com seu agressor, para
confrontá-lo e tentar seguir em frente. "Nesses grupos, fui percebendo
vários perfis. Há o que não sente remorso, mas há o que sabe que tem
algo errado com ele", conta.
"A pedofilia aparece cedo, mas as agressões demoram para acontecer.
Durante anos conseguem se controlar, mas um dia a oportunidade surge e
alguns cedem", diz Bennari, que trabalha com conhecimento de causa: ela
foi abusada por um empregado da família dos cinco aos 13 anos.
O objetivo da sua entidade, diz, é apoiar os que têm conhecimento de seu
transtorno, mas que, por consciência do mal que podem causar ou pelo
simples medo da prisão, nunca realizaram seus desejos e precisam de
ajuda para continuar inofensivos.
A L'Ange Bleu encaminha pessoas para consultas com psiquiatras, promove
reuniões entre pedófilos em potencial e vítimas de pedofilia e até dá
suporte jurídico a agressores, preservando a identidade dos
participantes.
No Brasil não existe nada do tipo. Mas há o Centro de Estudos Relativos
ao Abuso Sexual, em São Paulo, que atende famílias incestuosas.
"Fazemos ações anteriores ao aparecimento da patologia. A família
incestuosa é uma fábrica de ofensores sexuais: ali são produzidos
futuros pais incestuosos, pedófilos, estupradores etc. Trabalhar com
essas famílias é fazer a prevenção primária desse grave problema de
saúde pública", explica Lippi.
INVERSÃO DE PAPÉIS
Iniciativas como a da associação francesa são alvo de críticas. Nesse
modelo de prevenção os pedófilos seriam vitimizados além da conta.
É o que pensa a psicanalista Lekissandra Gianis, filiada à Escola de Psicanálise do Rio de Janeiro. Para ela, ajudar as crianças é mais urgente: "A prioridade deve ser dada às vítimas, que vivem no limiar do surto psicótico".
É o que pensa a psicanalista Lekissandra Gianis, filiada à Escola de Psicanálise do Rio de Janeiro. Para ela, ajudar as crianças é mais urgente: "A prioridade deve ser dada às vítimas, que vivem no limiar do surto psicótico".
Um caminho não invalida outro, segundo especialistas.
"[Pedófilos no cinema]": http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/9387-pedofilia-no-cinema
"Todo trabalho que vai na direção de intervir nas agressões sexuais é
válido. Tratar o agressor em potencial seria positivo também para os
profissionais, que teriam mais experiência nesse transtorno", opina a
psicanalista Fani Hisgail, autora de "Pedofilia - Um Estudo
Psicanalítico" (Iluminuras). Mas ela ressalva que tratar um pedófilo é
muito complexo. "Primeiro ele tem que reconhecer seu problema e querer
se tratar."
A L'Ange Bleu teve um início difícil. Em 1998, desejando chamar atenção
para a causa, Bennari foi a um congresso de psicologia expor seu ponto
de vista.
Rejeição unânime. "Todos me chamaram de louca, disseram para não focar
no pedófilo, e sim na vítima. O objetivo era justamente evitar vítimas,
mas disseram não ser politicamente correto. Achavam impossível um
pedófilo sair das sombras antes de virar criminoso", lembra.
Hoje, num dia normal, Bennari atende em média sete novos pedófilos em potencial.
Nos EUA, dois pedófilos que se conheceram na rede criaram o site
"Virtuous Pedophiles", que tenta mostrar ao mundo que um pedófilo pode
ser inofensivo. Ethan*, como se apresenta um deles, diz que ninguém,
exceto seu terapeuta, sabe de seu problema: "As pessoas nos odeiam",
justifica.
"Os profissionais não estão preparados para lidar com esses pacientes.
Interrompem o tratamento assim que o pedófilo se assume. Acreditam que
cedo ou tarde seremos todos criminosos. Até mesmo terapeutas espalham
que todos os pedófilos são abusadores, embora nem todos os abusadores
sejam pedófilos", diz Ethan.
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