Declarações de Xuxa auxiliam campanhas de combate ao abuso infantil, avaliam especialistas
Janaina Garcia - Do UOL, em São Paulo
O promotor de defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de São
Paulo, Lélio Ferraz de Siqueira Neto, disse nessa segunda-feira (21) que a declaração da apresentadora Xuxa Meneghel de que sofreu abuso sexual até os 13 anos de idade revela um problema generalizado no país. “É
algo muito mais perto do que se imagina: as pessoas acham que acontece
na casa ao lado, com o vizinho pobre, mas a violência sexual permeia
qualquer classe social”, disse.
A entrevista com a apresentadora foi veiculada no programa Fantástico, da Rede Globo, na noite de domingo (20).
Para o promotor, a declaração da apresentadora traz à luz um problema
que só entre janeiro e abril deste ano rendeu mais de 34 mil denúncias
pelo serviço Disk 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Por
outro lado, alertou, ainda é preciso resolver questões como as
subnotificações de casos de abuso e a falta de comunicação entre as
instituições.
“Não adianta a pessoa notificar a prática desse tipo de crime, mas não
receber nenhum tipo de resposta dessa comunicação entre as instituições
–seja na saúde, na educação, na assistência social. O cidadão acaba
desestimulado a falar”, disse o promotor. “E quem recebe essas denúncias
precisa ter estrutura e suporte de serviços estabelecidos para traçar
um diagnóstico e fazer uma intervenção competente --só cadeia para o
abusador não resolve. Ele mesmo precisa ser tratado, mas antes é preciso
trabalhar com questões ligadas a dependência econômica e emocional que
levam as pessoas a essa síndrome do silêncio”.
Na avaliação de Siqueira Neto, a reação do público às declarações da
apresentadora já são um indicativo do longo caminho que, acredita, há
pela frente no combate ao abuso. “Essa hipersignificação da fala da Xuxa
mostra muito claramente que não existe uma ação política clara do
governo a respeito do fato. Se tivesse, as declarações estariam dentro
de um contexto maior”.
Denúncia precisa de resposta, alerta especialista
A consultora da Andi (Agência de Notícia dos Direitos da Infância), a
socióloga Graça Gadelha, avaliou que a declaração da apresentadora tem
um efeito positivo para reforçar campanhas em curso, mas observou, a
exemplo do promotor, que o número de denúncias que são resolvidas ainda
é baixo, o que leva à subnotificação de casos.
“A princípio as declarações ajudam no combate, ainda mais que se trata
de uma pessoa envolvida com a causa. Isso traz para uma discussão
pública um assunto que sempre é tratado dentro do aspecto privado;
assim, contribui para que milhares que sofrem com isso cotidianamente
encontrem semelhanças e enfrentem isso”, disse.
“Mas queremos ver se isso vai repercutir em um aumento de denúncias no
Disk 100 nos próximos dias, e qual será a resposta do governo --porque
muitas delas se acumulam debaixo de um tapete e, infelizmente parece que
impunidade faz parte do nosso DNA”, disse. “O único sistema nacional de
denuncias é o do Disk 100 e isso é um avanço, mas não temos um sistema
que informe quantas dessas denúncias viraram, de fato, atendimentos, nem
quantos casos foram solucionados”, completou.
"Atitude de coragem"
Em nota, a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República, destacou a “atitude de coragem” da
apresentadora Xuxa, classificou a iniciativa como “importante apoio às
pessoas que sofreram violência na infância” e citou as 34.142 denúncias
recebidas pelo telefone do Disk 100 no primeiro quadrimestre deste ano.
Segundo a nota, o número representa um aumento de 71% de denúncias em
relação ao mesmo período de 2011 e reflete “a mobilização da sociedade
sobre o tema”.
A ministra ainda destacou a importância da lei nº 6719/2009, sancionada
na sexta (18) pela presidente Dilma Rousseff, que amplia o prazo para
ação judicial contra autores de crimes de exploração sexual no país. O
texto ficou conhecido como "Lei Joana Maranhão", em homenagem à nadadora
que denunciou seu treinador por abuso sexual sofrido na infância.
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