Abusos sexuais ocorrem mais com menores de 4 anos, diz estudo
Fonte: A Gazeta
22 de Julho de 2012 - 08:16
Crianças menores de 4 anos são a maioria das vítimas de abuso
sexual em Cuiabá. Quase 90% das 245 que foram atendidas pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) se encaixam nessa faixa etária. Os números foram
revelados pelo Mapa da Violência 2012, que analisou os atendimentos
feitos em 70 municípios brasileiros com mais de 20 mil crianças e
adolescentes (0 a 19 anos) e que tiveram as maiores taxas de abuso em
2011. Cuiabá ocupou a 15a posição com 67,2 casos para cada grupo de 100
mil menores.
A média está bem acima da registrada no país, que foi de 16,4. No
ano, 10.245 meninos e meninas foram atendidos após sofrerem algum tipo
de violência sexual. A grande maioria do sexo feminino - 83% -, sendo a
maior incidência na faixa etária de 10 e 14 anos.
O estudo também apontou que um grande número dos crimes ocorre dentro
dos próprios lares das vítimas. Realidade que também é constatada pela
Polícia em Mato Grosso. A delegada Daniela Maidel explica que isso
ocorre porque os agressores são, em sua maioria, pessoas que têm vínculo
familiar ou afetivo com o menor. "São tios, padrastos, amigos da
família, ou até mesmo os pais e avós".
Agressores - Prestativos, atenciosos e calmos. Assim se apresenta a
maioria dos autores de violência sexual. Com este perfil, eles ganham a
amizade e confiança dos pais da criança. "Não são pessoas violentas.
Elas primeiro ganham a confiaça dos adultos para depois fazerem suas
vítimas. E na maioria das vezes ameaçam a criança para que não revele o
abuso, caso contrário vai agir contra a pessoa que ela mais ama".
A delegada lembra que outra tática dos criminosos é não deixar
vestígios do crime praticado. Para conseguir isso, nem sempre
concretizam a penetração nos órgãos genitais da criança. "Quando a
criança é muito pequena, se ocorre a penetração, ficam lesões, o que é
muito visível. Por isso eles evitam. Até mesmo quando já são crianças
maiores, eles utilizam de outras estratégias, como a manipulação dos
órgãos genitais da vítima e o sexo oral".
Quando o crime é descoberto, quase a totalidade dos acusados tem como
reação a negação da prática, utilizando como defesa a falta de provas.
"Eles já falam que podemos fazer o exame que não vamos provar nada.
Então buscamos outros vestígios, como por exemplo o depoimento da
própria criança, onde é possível saber se ocorreu algo de anormal".
Primeira batalha - Como envolvem pessoas com laços afetivos que tomam
todos os cuidados para não deixar rastros, um grande número de crimes
sexuais fica no anonimato. Daniela aponta que alguns, mesmo sendo
descobertos pela mãe, não são denunciados. Isso ocorre, segundo ela,
porque muitas não querem se indispor com o agressor, com quem têm alguma
relação afetiva.
Esta é uma das grandes batalhas no combate ao abuso sexual de
menores. A metade das denúncias que chegam até a Polícia é feita por
terceiros, vizinhos e educadores da escola onde a vítima estuda e que
percebem atitudes estranhas. A psicóloga do Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (Creas), Karoline Araújo de Miranda,
destaca que são pequenos "detalhes" que podem delatar a violência.
Ela explica que, quando muito pequenas, as crianças não têm noção do
abuso sofrido, podendo confundi- lo até com uma brincadeira, devido as
estratégias usadas pelos abusadores. "A criança não tem discernimento do
que está acontecendo. Mas em algum momento ela vai acabar revelando,
seja na mudança de comportamento ou em conversas".
Por isso, lembra ela, é importante que os pais fiquem atentos. "Até
mesmo uma brincadeira que a criança passa a ter com outras. É preciso
ficar alerta e investigar".
Trauma - Culpa e vergonha. Estes são, na maioria, os sentimentos que
as vítimas de abuso carregam, o que dificulta não só a descoberta do
crime, mas também o desenvolvimento dos pequenos. Karoline afirma que,
desde os 6 meses, a criança já começa a reter informações e recordações.
Portanto, mesmo que a violência sexual seja cometida quando ela ainda é
bebê, os traumas poderão se apresentar anos depois. "Ela pode nem
lembrar que foi vítima de abuso, mas quando ter um relacionamento
afetivo com alguém, uma simples palavra ou gesto pode causar reações
inexplicáveis. Muitos só descobrem tudo isso quando fazem terapias".
Para evitar que isso ocorra, é fundamental que o menor receba
acompanhamento psicológico e social após o abuso.
Segunda batalha - Mas assim como na denúncia, a resistência da
família também é encontrada no tratamento da criança ou adolescente. A
coordenadora do Creas da área central de Cuiabá, Francislene Rodrigues
Santos, conta que, em muitas situações, é preciso pedir a intervenção da
Justiça para obrigar os pais a levarem o menor. "Em todos os casos nós
somos informados para prestar o atendimento a vítima e a seus
familiares. Muitas vezes temos que ligar, ir atrás da família, e mesmo
assim elas não comparecem".
A atitude, segundo ela, é justificada pela maioria das pessoas para
amenizar o sofrimento do menino ou menina. Mas não é isso que acontece. A
psicóloga lembra que não falar sobre a agressão, não vai fazer com que a
vítima esqueça. "É pior, porque um dia isso vai se apresentar. É
preciso falar e tratar, mas da forma correta. É o que fazemos". No
Creas, o acompanhamento é feito num período mínimo de 3 meses, podendo
ser maior dependendo dos resultados obtidos. Depois as vítimas são
encaminhadas para outros especialistas.
Combate - Este ano, o Creas também começou a desenvolver o projeto
Faça Bonito em escolas do município, orientando as próprias crianças
sobre os tipos de violência sexual. Francislene explica que é uma forma
de evitar novos crimes e aumentar o número de denúncias. "Nas salas,
algumas já revelam informações que apontam indícios de que trata-se de
uma criança vítima de abuso. A partir daí passamos a investigar. Além
disso, elas mesmo passam a se proteger, pois entendem que algumas
atitudes não são normais".
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