Violência Sexual e a Prioridade Absoluta
Por Márcia Acioli e Lucídio Bicalho, assessores políticos do Inesc
No início de abril deste ano, fomos
surpreendidos, mais uma vez, com a decisão absurda do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) que livrou um homem da responsabilidade pelo estupro de
três meninas de 12 anos. Para surpresa, e igual indignação, a sentença
foi proferida por uma mulher, a ministra do Superior Tribunal de
Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.
Baseada em preconceitos e nos estigmas
atribuídos a meninas inseridas no contexto da exploração sexual, a
ministra alega que eram iniciadas no sexo, não eram mais inocentes. Não
sabe ela que crianças não se prostituem, mas são capturadas pelo o
mercado perverso do sexo. Isto acontece quando são insuficientemente
protegidas, quando negligenciadas pelo Estado, quando violentadas no
próprio lar. Estar no mundo do comércio do sexo não é uma decisão
autônoma de crianças felizes e, ainda, qualquer abordagem sexual sem
consentimento é violência, independente da condição de quem a sofre. Não
existe violência relativa.
A posição da ministra reflete
insensibilidade e profundo desprezo pelas legislações, em especial, pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Convenção
Internacional sobre os Diretos da Criança – do qual o Brasil é
signatário.
O ECA é muito claro quando diz que, no seu art. 5º
“Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, EXPLORAÇÃO,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
A Convenção também define responsabilidade com relação à proteção da infância, no seu artigo 3:
“Os Estados Partes comprometem-se a
assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu
bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais,
tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa
finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas
adequadas.”
Nem é necessário recorrer aos
instrumentos jurídicos para saber que estupro é violência. Estupro de
crianças é violência maior ainda, por motivos óbvios.
Enfim, o fato teve ampla repercussão
por tamanha insensatez, num tempo em que o Brasil assume enfaticamente
posição contra a violência e exploração sexual de crianças e
adolescentes. O país investiu na elaboração de programas e ações com o
objetivo de enfrentar tal prática, dando atenção para a prevenção, para a
responsabilização dos agressores e atenção às vítimas. Assim o episódio
suscitou reação imediata por parte da ministra dos Direitos Humanos,
Maria do Rosário, que pediu reversão da decisão.
A despeito de ser um programa
importante para o governo federal, constatamos que o Estado investiu em
2011 recursos insuficientes na política de enfrentamento à violência
sexual contra crianças. Não bastasse a baixa previsão orçamentária o
Estado deixou de executar a integralidade dos recursos planejados.
No âmbito da Lei Orçamentária Anual
(LOA) 2011, foram pagos 70% dos recursos autorizados para o Programa
Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (R$
69,9 milhões). Outros R$ 13,2 milhões foram pagos ainda na forma Restos a
Pagar, ou seja, compromissos vindos de anos anteriores. No total, em
2011, o governo federal desembolsou 83,1 milhões neste programa, abaixo
dos créditos autorizados na LOA 2011 (R$ 99,8 milhões).
Em 2012, no programa específico voltado
para a proteção à criança, chamado Promoção dos Direitos de Crianças e
Adolescentes, no novo Plano Plurianual (PPA) lançado pelo governo Dilma,
constatamos que o Estado ainda é lento e não demonstra a priorização
preconizada pelo ECA, no seu artigo 4º: “(...) preferência na
formulação e na execução das políticas sociais públicas; e destinação
privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à
infância e à juventude”.
Até o início de abril foram pagos R$
44,7 milhões, apenas 9,4% orçamento autorizado (R$ 477,4 milhões) no
referido programa para 2012. Ainda foram desembolsados na forma de
restos a pagar R$ 5,7 milhões no Programa Enfrentamento da Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes.
Portanto, no lugar de culpar as vítimas
pela violência que sofrem é preciso que o Estado demonstre suas
prioridades com políticas bem articuladas e uma execução orçamentária
exemplar. As crianças vítimas da violência devem ter atenção adequada e
em tempo hábil para atender as suas demandas, os autores da violência
devem ser imediatamente responsabilizados e a sociedade inteira deve ser
educada para entender definitivamente que crianças e adolescentes são
pessoas que, em situação peculiar de desenvolvimento, são prioridade
absoluta, pelo menos, no texto da lei.
Published on Inesc - Criança e Adolescente no Parlamento (http://www.criancanoparlamento.org.br)
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