Pancada e humilhação nunca fez ninguém ser
uma pessoa melhor
Estão circulando nas
redes sociais alguns equívocos
sobre o Projeto de Lei 7672/2010, que visa proibir os
castigos físicos e humilhantes na educação e no cuidado de crianças e
adolescentes. O texto e a foto abaixo são bons exemplos dessas
distorções:
“Faça um favor para a humanidade: Quando for preciso, diga não a seu filho: A sociedade agradece. ‘Você vai levar uma palmadinha sim. Prefiro desrespeitar uma lei do que ver você desrespeitar um código penal inteiro”
Lamentavelmente, em
pleno século XXI, ainda opera na mente de muitas pessoas a crença de que foram
os tapas, os safanões e as chineladas que fizeram delas um cidadão de bem.
Todavia, pesquisas nacionais e internacionais já puseram por terra essa
crendice. São inúmeras as pesquisas que demonstram justamente o
contrário, ou seja, que existe uma evidente correlação entre os castigos físicos
e humilhantes e os comportamentos anti-socais (veja abaixo alguns resultados
dessas pesquisas).
Se as pessoas que fazem a apologia dos castigos físicos, fizessem
um sincero exercício de memória, recordariam como se sentiram de fato ao apanhar
dos pais. Lembrariam ainda das expressões faciais desses adultos na hora
que eles aplicavam os castigos e as humilhações. Não existe doçura e serenidade
nenhuma, podemos até negar, agora que somos adultos e temos que educar nossos
filhos, mas o que os
nossos olhos infantis enxergaram de verdade na face dos castigadores foram:
RAIVA, DESCONTROLE E INSENSATEZ.
Os vínculos familiares
que se restringem às formas violentas de comunicação (humilhações, surras e
abandonos emocionais) afetam profundamente o desenvolvimento físico e mental das
crianças. Por que então, essas pessoas dizem que mesmo
apanhando estão bem? Ora, com certeza, na relação familiar dessas pessoas os
momentos de sofrimentos físicos e humilhações foram infinitamente menores do que
os de carinho, atenção e correção pelo exemplo e pelo diálogo. Ou seja, o que
predominou na relação familiar foram o cuidado e os limites não
violentos.
Vamos as evidências científicas:
Pesquisas
apontam que os castigos físicos oferecem um modelo inadequado, por parte dos
adultos, de lidar com situações de conflitos, que é o uso da força, da
violência;
APRENDIZAGEM SOCIAL DA VIOLÊNCIA
Os jovens que sofrem
violências intrafamiliares do tipo físico severo, psicológico e sexual são:
3,2 vezes mais transgressores das normas
sociais;
3,8 vezes mais vítimas da violência na
comunidade;
3 vezes mais alvos de violência na escola do que
os jovens cujo ambiente familiar é mais solidário e saudável (ASSIS,
2004).
DISSIMULAR E MENTIR
Os castigos físicos
facilitam o surgimento de desvio no comportamento, como esconder ou dissimular por medo do castigo físico.
Quando se empregam
extensamente práticas de poder (coação,
humilhação e castigos corporais), as crianças tendem a desenvolver moralidades externas, isto é, baseadas no temor do
castigo. Ela não deixa de realizar um comportamento por entende verdadeiramente
que este é errado, mas simplesmente para evitar a punição. Na ausência da
punidor ela pode voltar a realizar os comportamentos considerados
inadequados.
MENOR
RENDIMENTO INTELECTUAL
De acordo com uma
investigação feita pelo Professor Murray Straus, da Universidade de New
Hampshire, nos Estados Unidos, meninos e meninas castigados fisicamente
apresentam, depois de quatro anos, um coeficiente intelectual baixo em
comparação com os que nada sofreram.
No grupo de jovem, as
crianças que não apanharam apresentam 4 pontos a mais em seu coeficiente
de inteligência do que as crianças que foram castigadas
fisicamente.
No grupo de crianças
entre os 5 e 9 anos de idade, aqueles que não apanharam tiveram 2.8 pontos a
mais em seu coeficiente intelectual que as que sofreram castigos físicos, depois
de quatro anos.
FUGA DE
CASA
De acordo com a
conclusão do O Estudo causal sobre o desaparecimento infanto-juvenil, as
razões que provocaram a saída de casa das crianças e adolescentes foram: agressões físicas (35%), alcoolismo dos
pais ou dos jovens (24%), violência doméstica presenciada pela criança ou
adolescente (21%), drogas usadas pelos filhos ou os progenitores (15%), abuso
sexual/incesto (9%) e negligência (7%). Os demais casos registrados são de
seqüestro e raptos (SÃO PAULO, 2005).
Outras
Pesquisas
As crianças começam a
aprender sobre o certo e o errado, sobre ajuda e
prejuízo desde tenra idade. Os principais estudos que
investigam a aquisição do comportamento moral das crianças e jovens indicam
que:
-
A cordialidade e os cuidados dos pais com seus filhos tem ligação com o comportamento moral das crianças e dos adultos.
Os estudos
antropológicos de Margaret Bacon e seus
companheiros, em quarenta e oito sociedades da África, Américas do Norte e do
Sul, da Ásia e do Pacífico Sul, demonstraram que a prática de educação das
crianças estavam associadas à freqüência e a tipos de crimes.
Bacon e seus parceiros
descobriram que as sociedades em que os pais eram
predominantemente dedicados tinham freqüência mais baixa de roubo do que aquelas
em que os pais eram rigorosos de um modo geral. E mais, esses estudos
evidenciaram que o treinamento ríspido e abrupto para a independência associa-se
a elevadas taxas de crime pessoal, isto é, a atos cujo o intuito era ferir ou
matar outras pessoas.
-
Pela modelagem do comportamento moral e da solidariedade os pais que dão bons exemplos contribuem poderosamente para um comportamento social desejável de sua prole.
Os estudos de Marian Yarrow e colaboradores colocaram algumas
crianças de escola maternal em contato com pessoas que falavam de solidariedade,
mas que não eram especialmente solidárias. Outros meninos foram expostos a
adultos que não só prezavam a solidariedade como também
eram prestimosos.
As crianças que tiveram
contato com os modelos atenciosos e
prestativos demonstraram sistematicamente muito
mais solidariedade do que as outras. Ou seja, pais ou cuidadores
prestativos e afetuosos podem ensinar às crianças desde cedo os benefícios de se
levar os outros em consideração.
-
As técnicas disciplinares que ensinam a empatia tendem a aumentar a conduta social de caráter moral e ético.
Os estudos de Martin Hoffman confirmam essa hipótese. Pela disciplina
os pais encorajam os filhos a pesarem seus desejos contra as exigências morais
da situação. Técnicas de indução são práticas que comunicam as consequências
danosas dos atos da criança em relação aos outros. As técnicas de indução
parecem treinar as pessoas para que elas se coloquem na posição dos outros e
considerem o bem-estar do próximo antes de agir.
Veja ainda duas
importantes pesquisas nacionais
Segundo a pesquisadora
Lúcia Cavalcanti Williams, meninos vítimas de
violência severa em casa têm oito vezes mais chances de se
tornar vítimas ou autores de bullying.
Cerca de 70% das crianças e
adolescentes envolvidos com bullying (violência física ou psicológica ocorrida
repetidas vezes no colégio) nas escolas sofrem algum tipo de castigo corporal em
casa. É o que mostra pesquisa feita com 239 alunos de ensino fundamental
em São Carlos (SP) e divulgada hoje (30) pela pesquisadora Lúcia Cavalcanti
Williams, da Universidade Federal de São Carlos.
Do total de
entrevistados, 44% haviam apanhado de cinto da
mãe e 20,9% do pai.
A pesquisa mostra ainda outros tipos de violência – 24,3% haviam levado, da mãe, tapas no rosto e 13,4%, do
pai.
“O castigo corporal é o método disciplinar mais antigo do planeta.
Mas não torna as crianças obedientes a curto prazo, não promove a cooperação a
longo prazo ou a internalização de valores morais, nem reduz a agressão ou o
comportamento antissocial”, explica Williams.
A
pesquisadora paranaense, Paula Inez Cunha
Gomide (2003), encontrou em suas pesquisas cinco correlações
entre os estilos parentais de educar os filhos e os comportamentos anti-sociais
de jovens adolescentes. De acordo com a autora, os
comportamentos anti-sociais estão correlacionados às práticas educativas
negativas como NEGLIGÊNCIA, A PUNIÇÃO INCONSISTENTE, DISCIPLINA
RELAXADA, A MONITORIA NEGATIVA E ABUSO
FÍSICO. Essas cinco práticas negativas são assim
descritas:
A
NEGLIGÊNCIA ocorre quando os pais não se atentam às necessidades de seus
filhos, ausentam-se das responsabilidades, ou simplesmente quando há uma
interação familiar sem afetos positivos.
A PUNIÇÃO INCONSISTENTE
acontece no momento em que os pais punem ou reforçam os comportamentos
de seus filhos de acordo com o seu bom ou mau humor. O estado emocional dos pais
determina as ações educativas e não as ações da criança. Nessa forma de punição,
as crianças aprendem apenas a discriminar o humor de seus pais e não se seu ato
foi adequado ou inadequado.
A
MONITORIA
NEGATIVA consiste
no excesso de fiscalização da vida dos filhos e na grande quantidade de
instruções repetitivas. A fiscalização e as instruções intensivas tendem a
produzir um clima familiar hostil, estressante e ausente de diálogo, pois os
filhos tentam proteger sua privacidade evitando falar sobre suas
particularidades.
A DISCIPLINA RELAXADA caracteriza-se pelo
não-cumprimento de regras estabelecidas. Os pais ameaçam e, quando se confrontam
com comportamentos opositores e agressivos dos filhos, omitem-se, sem fazer
valer as regras.
O
ABUSO
FÍSICO ocorre quando os pais machucam ou causam dor em
seus filhos na tentativa de controlá-los. A prática do abuso físico pode gerar
crianças apáticas, medrosas, desinteressadas, especialmente,
anti-sociais.
Os comportamentos dos jovens adolescentes denominados por Gomide
(2003) de pró-sociais estão correlacionados com práticas educativas positivas
como o monitoramento positivo e o comportamento
moral dos pais ou responsáveis.
A MONITORIA POSITIVA é definida como o conjunto de práticas parentais que envolvem
atenção e conhecimento dos pais acerca de seu filho e das atividades
desenvolvidas por ele. As demonstrações de afeto e carinho dos pais,
especialmente as relacionados aos momentos de maior necessidade da criança são
um exemplo dessa prática educativa.
O COMPORTAMENTO MORAL refere-se a uma prática educativa em que os pais transmitem valores
como honestidade, generosidade e senso de justiça. No processo educativo,
discrimina-se o que é entendido pelos pais como certo ou errado, por meio de
modelos positivos e afetivos.
Algumas referências
citadas:
ASSIS, Simone Gonçalves
et al. Violência e representação social na
adolescência. Revista Pan-Americana de Salud Pública.
2004.
BACON apud DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia / Linda L. Davidoff: tradução
Auriphebo Berrance Simões, Maria da Graça Lustosa; revisão técnica Antonio Gomes
Penna. – São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983.
GOMIDE, Paula Inez
Cunha. Estilos parentais e comportamentos anti-sociais. In DEL PRETTE, A.; DEL
PRETTE, Z. (orgs.). Habilidades Sociais, desenvolvimento
e aprendizagem: questões conceituais, avaliação e intervenção.
Campinas: Alínea, 2003.
HOFFMAN apud
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia /
Linda L. Davidoff: tradução Auriphebo Berrance Simões, Maria da Graça Lustosa;
revisão técnica Antonio Gomes Penna. – São Paulo: McGraw-Hill do Brasil,
1983.
SÃO PAULO. Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP), Secretaria da Segurança Pública do Estado de
São Paulo/Crianças desaparecidas, Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República. Estudo causal sobre o
desaparecimento infanto-juvenil .
São Paulo : Segurança Pública do Estado de São Paulo, 2005.
YARROW apud DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia / Linda L. Davidoff: tradução
Auriphebo Berrance Simões, Maria da Graça Lustosa; revisão técnica Antonio Gomes
Penna. – São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983.
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